quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Misterioso amor

Créditos da imagem são de Nenyu

Às vezes eu tenho muita raiva do amor.
Sabe por que?

Porque ele vive na gente, independe de aceitação alheia, vive fazendo-nos interpretar coisas que não são.
Porque ele fica preso no olhar, não consegue sair.
Porque espera o cérebro decidir. Fica andando em círculos. Ele tem certeza de que é sincero mas mesmo assim tem medo de existir.

Coitado do amor...

Mas não posso me deixar levar! Eu acho. Eu não deveria estar opinando sem conhecer as possibilidades; aliás, eu nem deveria estar aqui escrevendo mal dele, já que ele me acompanha há muitos anos.

Alguém aí tem um manual do amor? Como tratá-lo? Dá pra brigar com ele e mandá-lo embora? Embora de mim? E como será que eu ficaria: tornaria-me uma pessoa fria? Feia? Má?

Enfim... o amor pra mim é uma inversão da lei da relatividade: eu dou-lhe horas e ele me devolve segundos, talvez até falsos segundos, que eu queria que se estendessem à eternidade.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Olhares

Ah, você tá cansado, pensando na vida... A falta de sono faz teu humor cair sem motivo.
Então do nada você olha pra frente, ou pro lado, e lá avista ela, e pra ela você continua olhando.
Você desvia o olhar várias vezes... melhor é se ela te olhar também, melhor ainda se ela perceber que tu estás olhando. E vice-versa.
No fundo talvez nem queiras olhar, mas tem alguma coisa além da tua consciência que está comandando os teus olhos.

Ih, já é tarde. Agora os únicos que não sabem são os demais viajantes do trem, do ônibus, da fila ou de outro lugar viável. Estão os dois se perguntando coisas que o outro nem imagina, e por causa disso ambos são obrigados a responder às próprias perguntas, ilimitadas em intenções porque estão a salvo, lá no fundo da consciência.
"Hmm... será que está olhando pra mim?" - é a primeira pergunta.
"Sim" - é a primeira resposta.
E depois da certeza tão correta quanto saber quantas gotas enchiam a caneca de café que tu tomastes de manhã, começa-se a observar as qualidades. As semelhanças... e as diferenças. As semelhanças são como um porto seguro, te permitem não sentir culpa. Já as diferenças são o pote de ouro: pra quê você iria querer algo igual a você? Seria como desejar ao espelho, mas por isso um já morreu afogado pra provar que admirar a si não é lá tão legal quanto querer algo diferente.
E será que você quer? Sim, você quer. E só se permite continuar querendo porque a sua falta de coragem não tem permitido algo mais desafiador. Fique nos olhares e será só isso. Um dia, talvez, tenha capacidade de falar alguma coisa. Claro que vai correr o risco de dizer besteira, ou ser a besteira, mas e daí? E se a dúvida for uma das coisas que vocês têm em comum?
Você já está saturado de perguntas e ela fica olhando como se não existissem problemas no mundo, como se as pessoas não estivessem se matando aos montes por causa de religião, gostos e desgostos. Nem se dá conta de que o teu tempo de devaneio tá acabando junto com a viagem: O trem já está na tua estação, o ônibus tá praticamente no teu ponto, a fila já correu e o lugar já está inviável porque os olhares quase te fizeram esquecer o que te trouxe até aqui.
Ah, eu não me importo! Se algo faz-me esquecer de outras coisas é porque deve ser bom, não acham? Ou será porque eu tenho dormido tão pouco que memória é uma das coisas que foram assassinadas junto com o sono?

Eu não sei mais. Não sabemos mais. Antes de ir, precisa bolar uma reação pra terminar o 'encontro'... Dá um sorriso de lado antes de partir, manda uma olhar cerrado, ou talvez até... fale alguma coisa! Isso seria demais, incrível! Se em terra de cego quem tem um olho é rei, é bem plausível que "em mar de silêncio quem tem uma boca é esperto", porque você não sabe se vai estar ali amanhã, se vai cair na rotina (ou se já está numa suficientemente sincronizada para que vocês se vejam todos os dias).

Admirável rotina... se por uma lado ela nos mata aos poucos, roubando nosso tempo, por outro lado ela nos acostuma e isso quebra um pouco do gelo.
Um mau observador diria que são apenas olhares perdidos no espaço. Seus olhos precisam se movimentar e foi inevitável um encontro. Bobagem.
Um bom observador diria que olhares são tudo, porque através deles vocês imaginaram coisas que até então estavam proibidos de fazer.
Já eu apenas daria um suspiro, porque a viagem acabara.